Por Rita Durigan
Há uma semana voltei de uma viagem incrível: uma volta ao direito de também ser Filha, mesmo depois de me tornar Mãe. Direito que aos poucos fui boicotando como se para crescer eu precisasse não precisar mais daqueles que me são tão essenciais: meus pais. Mas os colos e conselhos, beijos e carinhos, mãos estendidas, cuidados, prato quente e leite na cama sempre estiveram ali, dispostos e presentes, talvez até carentes da minha busca ausente, mas sempre respeitando meu espaço, minhas escolhas, minha história.

Minha mãe, eu, minha filha e meu pai, em frente a Basílica de São Pedro, no Vaticano. (Roma-Julho2014)
Fruto desse ambiente seguro e com minha alma inquieta, aos 17 anos fui viver a minha vida. Sai do aconchego da casa materna com a sensação de que dificilmente voltaria. Agora era seguir adiante… sem me dar conta de que só sai por saber que teria pra onde voltar sempre que precisasse. Que eles sempre estariam ali. E estão. Hoje eu sei.
Cresci no amor. Cresci na dor. Cresci como precisava crescer. Sorri e chorei. Dancei. Pulei. Gritei e novamente sorri. Sempre suportada por eles, de olhar atento e coração aberto. E de uma presença nem tão longe nem tão perto, mas na medida. Sabiam que a liberdade era importante pra mim. E me deram, sem jamais omitir um conselho, uma opinião ou mesmo um olhar, um sorriso, um abraço ou um silêncio. Tudo na medida. Conheciam a própria cria. E eu, no fundo, sabia que estavam ali. Sempre ali, pra sempre que eu quisesse voltar.
Aos olhos deles a Patinha Feia foi se transformando em Cisne e ganhou asas de Gaivota que a levaram pra looooonge. Tããão loooooonge. Hoje eu sei.
Até que chegou o momento de crescer na experiência mais transformadora e profunda que jamais imaginei mergulhar. Aos 35 anos, com um desejo imenso no peito e superando alguns obstáculos, me tornei Mãe.
Aos 35 já sabia o que queria da vida. Era independente. Tinha ao lado um marido que é meu par perfeito pros momentos felizes e os nem tanto, capaz de extrair de mim o melhor e o mais bonito. E também tinha muito acesso a informação.
Lia tudo, de tudo, sobre tudo o que diz respeito ao novo papel que assumia: ser Mãe. Ainda leio. Sem falar nas inúmeras conversas e trocas de informações com outras mães e amigas…
A maternidade foi avassaladora em minha vida, com seu encanto, sua leveza, intensidade e complexidade. E embriagada por esse amor imenso de Mãe, essa troca infinita que nos une aos filhos e que aumenta a cada dia, mais do que nunca fui me esquecendo que ainda sou filha. Que posso e devo ser filha. E que eles continuam ali, pra quando eu quiser voltar.
Melhores até. Hoje, com o coração tão maior pois abriga esse amor tão intenso e tão perfeito do avô e avó que são. E cujos colos e abraços ficaram mais gostosos, as mãos mais macias, os sorrisos mais doces e as palavras mais ternas.
Há uma semana voltei de uma viagem incrível pela Europa com meus pais. Minha filha estava junto e, pela primeira vez desde que Valentina nasceu, me permiti também ser filha. E em um ambiente que não era a nossa casa.
Vivemos dias intensos de descobertas grandes e pequenas. Aos poucos minha sabedoria materna de biblioteca foi se entregando e dando espaço ao conhecimento da experiência e dedicação. Em cada gargalhada que davam juntos, eles e Valentina, cada brincadeira, cada abraço, cada troca de olhar cada vez mais intensa e cada novo passo eu redescobria meus pais, a nossa relação. E de uma maneira linda, que misturava a Mãe e a Filha que habitam em mim. Era a Filha feliz por ver seus pais sendo Vovô e Vovó em tempo integral. E de um jeito mais que especial, mais do que sempre sonhou. E a Mãe realizada por ver sua filha cercada de amor e dedicação.
Até mesmo nos dias que chegávamos mais cansados de longas caminhadas, ou que nos pegávamos famintos em busca de um restaurante legal… íamos nos entregando a uma relação de verdades que o tempo e a distância deixam superficiais. Vivemos dias de família, como se aquela viagem nunca mais fosse acabar.
Ver minha filha sendo cuidada com aquela ternura calma e sincera que só os avôs e as avós têm, ao mesmo tempo que respeitavam minha postura de Mãe, como sempre fizeram comigo, foi um acalento pra minha alma e para o meu corpo cansado. Porque a maternidade é a coisa mais linda que já vivi, mas fisicamente ela cansa. É preciso ter fôlego. São noites mal – ou não – dormidas. Um viver pelo outro sem limites. Uma entrega intensa que te torna o ser mais forte e mais frágil do planeta. E não tem amanhã. Os bebês não vem com o botão SNOOZE do despertador. É agora, não importa se você precisa de mais 5 minutos de sono. Os cuidados nos primeiros anos de vida de uma criança são pra já.
Eu não dormia de verdade uma noite inteira desde o final da gravidez. Mas aos poucos, ao longo dessa viagem incrível, fui me entregando aos cuidados de meus pais que diziam: “Volte a dormir que cuidamos dela”. “Descanse, minha filha”. “Deixe que eu troco a Valentina enquanto você toma banho e relaxa”. Não que meu marido não me ajude. Aliás, Valentina, não é por nada não, mas escolhi um super pai pra você 🙂 A diferença é que nessa viagem eu não estava tendo ajuda. Eu estava sendo cuidada. Tendo colo de Mãe e de Pai.
Palavras ensaiadas não foram ditas nesse mês tão intenso. Momentos inesquecíveis não foram gravados por câmeras. Mas essa viagem marcou minha história pra sempre. Eu reencontrei a Filha que havia abafado em mim. E com ela, encontrei também uma Mãe muito melhor pra minha Valentina.
Obrigada, Mãe. Obrigada, Pai. Vocês são incríveis e sua Filha está de volta. Não de volta como vocês gostariam, morando logo ali. Mas disposta a ser cuidada sempre e sempre. Só que agora ela também é Mãe. E como toda Mãe é um pouco chata, implicante, metódica e blá, blá, blá. Hoje eu sei 😉
Essa viagem me transformou. E por isso, não terminou. Não terá fim, apesar da saudade que insiste em me lembrar que vou ter que esperar um tempinho ainda até sentir novamente as mãos, os abraços e os cheiros de Mãe e de Pai outra vez.
Obrigada. Amo vocês!