Por Rita Durigan
Quando o tema é abuso sexual infantil, ou mesmo adulto, parece mais óbvio e natural levantar bandeiras e participar do coro de que isso é absurdo, inaceitável, um crime!
Mas e sobre o abuso da sexualização infantil?
Hoje vi um ensaio da revista Vogue Kids brasileira no qual meninas, muito meninas, aparecem em poses sensuais, de calcinha, levantando a camiseta, deitadas… e basta. Já descrevi demais e me recuso a publicar as fotos aqui. Sei que muitos de vocês, leitores, vão procurar. Provavelmente eu também faria. Mas eu não vou ajudar a espalhar mais a imagem dessas meninas que, mais do que de roupas, foram cruelmente despidas do direito de decidir se isso lhes faria bem ou mal, simplesmente por não terem ainda idade, experiência e discernimento suficientes para isso.
Sou mãe de menina e senti meu estômago embrulhar quando vi o ensaio. Pensei nas mães dessas garotas, mais do que nos profissionais envolvidos no trabalho. Talvez até tenha amigos entre essas pessoas. Mas, como mãe, pensei nas mães delas. O que leva uma mãe a expôr a filha assim? Pra que? E como mulher, o que elas um dia serão, pensei nelas, nas meninas.
Sendo muito simplista, eu sei que uma mini-saia ou um decote não deve virar prova contra a vítima de um estupro, por exemplo. Mas dá pra imaginar o que pedófilos podem estar fazendo com essas fotos agora, não dá? Ou o que eles podem pedir pra minha, pra sua, pras nossas filhas fazerem um dia, afinal, é normal, não é? “Olha, queridinha, sai até na revista Kids. Se as fotos ficarem boas, você pode virar modelo.”
E taí outro ponto que me preocupa cada dia mais. Que tem sido discutido, mas ainda está em nossas entranhas – na minha, inclusive -, que é a supervalorização e a padronização da beleza. Principalmente da beleza comercial.
Ver essas meninas com padrões tão próximos das modelos adultas, com seus corpos esbeltos e rostos maquiados sendo exibidos e sensualizados tão cedo, me faz pensar nas garotas da mesma idade que não tem esse biotipo, por exemplo. Que estão fora do peso padrão, ou que passarão a ter disturbios alimentares com essa publicação, somada a tantos outros estímulos do que você tem que ser pra ser feliz. E pensar nelas mesmas também, as meninas das fotos, e o peso que já carregam em seus corpos comercialmente aceitos.
Muitas vezes me peguei elogiando a roupa da minha filha e pendindo pra ela mostrar como estava linda. Que triste. Juro, tenho lutado contra isso. Ela é linda por ser feliz. Por ser livre. De vestido novo ou de pijama velho, ela é o que é e isso basta. É isso que quero que ela valorize.
É claro que pra mães vaidosas como eu, que adoram maquiagem, por exemplo, dá uma pontinha de orgulho ver que a filha já quer imitar a mãe passando batom, ou penteando o cabelo. E sim, eu faço desses momentos um momentinho nosso, de menina. Acho que na medida isso pode ser bom. Faz parte da vida. Mas não pode se tornar maior que a essência da criança. Jamais. A felicidade não pode estar atrelada a isso.
Pensando pra ela e por ela, tenho até me permitido viver mais tempo sem maquiagem. E confesso, minha pele mudou. Está melhor. Passei a me gostar mais. Ainda uso, abuso e gosto da maquiagem. Mas descobri que não preciso dela pra viver. E devo isso, essa libertação, a minha filha.
Voltando ao ensaio sensual com as crianças, se era publicidade, o marketing do “falem bem ou mal, mas falem de mim”, dona Vogue Kids, mandou muito mal. Pode ter sido só um erro, daqueles que a gente comete pra se arrepender pra sempre – quem nunca? -, mesmo considerando que várias pessoas devem ter participado do processo entre a sugestão, a produção, a aprovação e a publicação da revista. Seja o que for, acho bom que algo seja feito. Algo como, no mínimo, repensar que futuro queremos para a nossa humanidade e qual a responsabilidade de uma revista que quer ser lida por pais – ou mães – e filhos – ou filhas. É o mínimo que, como mãe, e de menina, eu te peço, dona Vogue Kids, e tantas outras e outros que já fizeram ensaios assim. E que tem trabalhado para adultizar nossas crianças.
Pra finalizar, deixo aqui o discurso da modelo Cameron Russell para o TED.com. Linda, famosa, bem-sucedida. Tem um portfólio com trabalhos para marcas como Victoria’s Secret – sim, a marca de lingerie sensualíssima e que, confesso, eu adoro – e Chanel. Ela ironiza como a indústria a transformou em uma mulher completamente sedutora aos 16 anos. Fala das angústias de ter que aparentar quem ela simplesmente não é. E mostra fotos lindas dela que foram publicadas, comparando com fotos felizes, da vida real. Muitas tiradas no mesmo dia, apesar de não parecerem ser da mesma pessoa. “Aparência não é tudo. Acredite, sou uma modelo“, diz.
A mensagem é muito apropriada , muitas mães não percebem que tudo tem a sua hora certa. Para que adiantar no tempo, fazendo das crianças umas adultas problemáticas ? Pular etapas nunca fez bem pra ninguém.