MEDO. Muito MEDO!

Por Paty Juliani

Ontem, ao abrir o computador, me deparei com um ensaio realizado por uma revista muito respeitada (veja outro post sobre o assunto – https://criarcomasas.wordpress.com/2014/09/11/e-sobre-o-abuso-da-sexualizacao-infantil/), onde meninas (crianças) aparecem de maneira sensual, posando para fotos do editorial de moda.
Fiquei olhando aquelas imagens tentando entender o que era aquilo. Senti náuseas, repulsa e um incômodo desconcertante. Parei de olhar, de ler o que o que texto dizia e pensei como, nos últimos tempos, tenho sentido um incômodo semelhante (em menor escala mas muito semelhante). E que isso não deixa de ser consequência do que estamos vivendo e do que estamos fazendo com as crianças, a infância e as mulheres. E, algumas situações, imagens e notícias vieram imediatamente em minha mente, em frações de segundos: mãe exibindo sua filha “fazendo unha dos pés e escova” com 3 anos de idade; mães se acotovelando para maquiar (base, rímel, sombra e batom) suas meninas, de 4 anos, em uma apresentação de balé para pais; mulheres se “desafiando” a serem fotografas “de cara limpa”; milhares de curtidas da blogueira que posta sua barriga negativa com grande orgulho mas desliza no português do texto; milhares de curtidas do “look do dia” da criança vestida de “animal print”, calça de couro, blusa justa e colete de pele; filha de casal celebridade, de 1 ano, posando de fraldas e bolsa Chanel; mãe dessa filha ser ícone e modelo de lifestyle de uma geração (no Brasil também temos várias que se comparam a Kim Kardashian – não é mérito deles); estatísticas comprovando que as mulheres são quem mais sofrem de depressão e, consequentemente, são as maiores consumidoras de remédios para a alma; mãe me relatando, quase aos prantos, como foi difícil não fazer o aniversário dos sonhos de sua filha, na Disney (aniversário de 2 anos!); mãe relatando em revista que sua filha pediu de aniversário um ipad (aniversário de 2 anos!); estatísticas comprovando como somos recordes em intervenções cirúrgicas estéticas; eu, tendo que explicar para minha filha de 4 anos coisas inexplicáveis como por exemplo, porque uma criança de 4 anos não precisa pintar as unhas em manicure, que sua mãe não vive despenteada mas que o cabelo dela é assim e é muito legal (apesar de todas as mulheres do mundo terem cabelos lisos) e que ela pode sim usar apenas calcinha para nadar (pois ela é uma criança de 4 anos) apesar das outras estarem com seus tops. E tantas outras imagens, notícias e vivências totalmente ligadas, conectadas e que naquele momento, para mim, foram traduzidas por aquelas imagens.

Pensei em mim alguns anos atrás, decidida a ter filhos nesse mundo completamente insano. Lembrei como fui feliz em saber que teria meninas. Como isso significava muito pra mim. Lembrei como sempre admirei mulheres fortes, guerreiras e corajosas – e que mantenho muitas delas próximas a mim. Pensei como isso seria desafiador, vindo de uma família de meninos (dois irmãos).
Tive vontade de ler “O Segundo Sexo”, “Madame Bovary”, e de revirar novamente o livro da Pagu (Patrícia Galvão) que comprei anos atrás num sebo no centro de São Paulo. Tive vontade de pintar o quarto de amarelo. Tive vontade de fazer um retiro de Wicca para me conectar com o feminino universal (o que sempre ficou na vontade). Tive vontade de resgatar as gerações femininas da família, na terapia. E tive vontade de dar o nome de minha avó para minha filha. Sabia que não seria fácil mas tive vontade de celebrar, resgatar e agradecer.

Hoje eu sei como é difícil. Como é difícil não só ser mulher mas criar meninas. Como é difícil preservar a infância dessas meninas. Como é difícil não deixar suas meninas se contaminarem pelo consumismo desenfreado que transforma pessoas em coisas. Como é difícil ver, ouvir e viver tantas coisas que te agridem como mulher. Como é difícil explicar o inexplicável pois elas vêem as coisas, convivem com pessoas, estão em formação e querem saber. Como é difícil…

E a dificuldade é diária, visível e constante. Tentar explicar o inexplicável acaba virando regra. Tentar viver e agir de maneira contrária é quase agressão. Tentar preservar as meninas do que é consumido, pregado e vendido é missão quase impossível. Ver como estamos cada dia menos valorizadas e cada vez mais expostas é triste. Ver a imposição pela padronização de beleza imperando. Ver os riscos para chegar a ela destruindo meninas e mulheres. Perceber que o natural, humano e real não interessam.
Mas é preciso fazer. Agir. Tentar. De todas as maneiras e todos os dias.
Para que nossas meninas sejam, antes de tudo, crianças. Para posteriormente serem respeitadas. Para serem seguras e confiantes sem a preocupação da aceitação. Para que saibam que mulheres são lindas pois são especiais em sua essência e natureza.

O que me conforta (um pouco) é saber que não estou sozinha. Não sinto o mal estar descrito com tudo isso sozinha. E que tem mulheres que lutam por mulheres, que defendem mulheres, que fazem de tudo para preservar a infância de suas filhas (e também filhos), que enxergam o que é verdadeiramente belo. Pessoas preocupadas com a natureza, a alma, a troca e a essência.

E, já que citei imagens, textos e vivencias totalmente desconcertantes, quero deixar aqui algumas que fazem a gente acreditar que as coisas ainda tem sentido: matéria muito bem fundamentada em total repúdio ao ensaio da revista (“cientista que virou mãe” e “pediatria integral”, sou fã de carteirinha); a cantora Preta Gil vindo a público mostrar a indignação com a capa de revista que sofreu photoshop sem sua autorização (onde aparece mais magra e pálida); foto de uma linda modelo australiana (Meaghan Kausman) que protestou contra a adulteração de seu corpo também por photoshop; documentário “tarja branca” liderar a lista dos mais vendidos no itunes; entrevista da atriz Mariana Lima, casada com o diretor Enrique Dias dizendo, numa revista muito popular, como vivem e criam suas duas filhas (“bonito é ser natural”).
Em razão do que tenho visto, lido e vivenciado, tenho a sensação que isso ainda é minoria; que é nadar contra a maré. No entanto, sei que esse movimento é totalmente necessário. Senão, como conseguiremos criar essas meninas? Que tipo de geração de mulheres deixaremos?

MEDO. Muito MEDO!

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