Por Paty Juliani
Eu sabia que este seria um ano especial.
O ano de encerramento na educação infantil.
Sabia e se tornou uma questão fazer com que o encerramento desse ciclo fosse respeitoso, genuíno e autêntico.
Repeti infinitas vezes o discurso sobre a importância do respeito ao tempo. Sobre a importância da espera e da escuta.
Novamente senti a pressão de um mundo acelerado e tentei protegê-la. Fiz escolhas. Questionei e continuo as questionando. E prometi estar atenta – a esse ano, a sua idade, a essa infância tão bela.
Imersa nesse comprometimento de não antecipar processos, “ele” apareceu!
“O que é isso? Abre a boquinha novamente. A mamãe quer ver de novo.”
E lá estava um pontinho branco atrás de todos os seus dentes.
“De onde ele veio? Ontem ele não estava ai.”
Naquela noite, passando fio dental em sua boquinha, fui surpreendida e me assustei.
Se todos os dentes ainda estavam lá, como esse intruso ia nascer?
“A mamãe quer ver seus dentinhos”. O dentinho na frente daquele pontinho estava um pouco mole. Um pouco!
Assim que amanheceu, liguei para dentista. Desesperada!
Ela me tranquilizou, mas anunciou: “Ajude a pequena a amolecer o dente para ele cair sozinho. Se isso não acontecer, infelizmente, teremos que extrair para o outro poder nascer.”
E, claro, me deu um prazo.
Quinze dias!
Que dia foi ontem mesmo? Dia primeiro.
Como assim ajudar a antecipação de um processo? As coisas não deveriam acontecer espontaneamente?
Deveriam! E este sempre é o ideal. Mas algumas vezes a natureza nos cobra atitude.
Muitas vezes precisamos tirar algo da frente para o novo nascer.
Precisamos encerrar ciclos.
O dentinho precisava sair porque o outro pedia para entrar.
Tivemos uma conversa linda sobre estar crescendo, a fada do dente, o dente novo chegando e que vai acompanhá-la por toda a vida e o que podemos fazer para que isso aconteça.
Vi sua carinha de susto e ansiedade.
Você estava feliz.
E eu chorei com sua alegria.
Nós traçamos uma meta: muita maçã inteira, espiga de milho e pão duro.
Vi seus olhinhos brilharem contando que os amigos da escola queriam ver o dente molinho.
Morri de rir com sua pequena irmã perguntando se o dente dela ia cair também e procurando por toda a boca um dente molinho também.
Mas tínhamos prazo.
O nascimento exigia a morte. O novo só teria lugar se o velho saísse.
E assim seguimos.
Você balançando sem parar esse dentinho e eu tentando encontrar alimentos com consistência para ajudar esse processo.
Mas o tempo foi passando e tive que conversar novamente com você, explicando que talvez fosse preciso ir à dentista porque ele ainda estava durinho.
E você então falou: “Se alguém tiver que tirar meu dentinho, quero que seja você”.
Me emocionei pela confiança. E gelei pelo meu próprio medo.
Lembrei de quando era criança e da aflição que sentia com meus dentes molinhos. Lembrei do medo e desespero que sentia quando meu pai amarrava o fio dental para tirá-los.
Como vou fazer isso?
Será que conseguirei?
A semana seguiu com maçãs, pães e espigas de milho.
Mas, nada!
É preciso coragem.
Mas também acolhimento.
Pra você e para mim.
“Filha, semana que vem vamos à dentista. Que tal a gente ajudar pra valer esse dentinho? Mamãe coloca o fio dental e, aos poucos, vamos amolecendo até ele cair. Vamos tentar?”
Você chorou.
“Estou com medo. Vai doer.”
Eu também estava com medo.
Mas é preciso coragem.
“Confie na mamãe. Nunca farei nada pra te machucar. Vai dar tudo certo. Quando quiser, eu paro”.
Então, passamos a sexta e o sábado amolecendo o dentinho com o fio dental.
Inventamos uma musiquinha para laçá-lo, criamos códigos para quando viesse uma aflição ou medo e nos divertimos.
E no domingo (dia 13), no sofá, amarrei seu dentinho e depois de 3 puxadinhas, ele saiu.
Pulou!
Não teve dor.
Não teve choro.
Não teve medo.
Você ficou feliz e correu para o espelho.
“Eu tenho janelinha”
“Sim, meu amor. Seu sorriso conseguiu ficar mais lindo ainda”.
E virei para socorrer sua irmã, que estava com bico e com cara de choro.
Porque estava enciumada.
Porque não tinha janelinha.
E porque também quer “ser grande”.
Nessa noite, a fada do dente veio nos visitar.
Esse foi efetivamente o início dessa nova etapa.
E assim vamos seguindo.
Procurando estar atentos para fazer essa transição com muito cuidado, respeito e amor.
Pra que você continue crescendo segura e determinada.
Pois a vida nos pede coragem.
Sempre!