por Dede Lovitch
Estávamos sem destino para essas férias, quando recebi o convite da minha amiga Lígia para visitarmos Inhotim. Adorei. Estava curiosa já há algum tempo para conhecer este lugar que, para mim, parecia transbordar arte.
Só uma coisa me deixava um pouco indecisa: nossa visitação estava programada para 2 ou 3 dias pois o parque é enorme; iríamos em 3 adultos e 2 crianças, Bernardo de 8 anos (tranquilão e pau pra toda obra) e Constance de 3 anos (pau pra quase toda obra e chiliquenta que só, coisas da idade né?). Aí pensei que poderiam ficar muito cansados e até entediados, podendo chegar ao ponto de “estragar” o passeio de todos. Os adultos seriam 3 mulheres, eu, Lígia e Célia (mãe da Lígia), todas com vínculo e convivência suficientes para revezarmos nos cuidados com as crianças. Sendo assim, segura com as minhas companhias e contando com a minha teimosia: #partiuinhotim.
Optamos por viajar de carro, assim nos sentimos mais livres para fazer quantas paradas fossem necessárias. Com o ônibus ficaríamos a mercê das paradas determinadas pela companhia. Com o carro também tivemos mais liberdade para locomoção entre as cidades próximas e a ida ao parque. Se fossemos de avião, teríamos que parar em Belo Horizonte e optar por se hospedar por lá e viajar todos os dias de visitação no parque 100km (ida e volta), ou se hospedar mais próximo ao parque, mas longe do aeroporto e, mais uma vez, sem liberdade de locomoção entre o parque e as cidades.
A viagem de carro foi muito tranquila. A estrada é uma só até lá, a Fernão Dias, e o estado de conservação está excelente.
Almoçamos num posto Graal, nos revezamos no volante e tive a oportunidade de viajar no banco de trás com as crianças, coisa que nunca posso, pois sou sozinha e sempre estou dirigindo. Foi uma festa.
Chegamos em Mário Campos depois de 8 horas de estrada, a pousada já estava reservada pela internet e fomos recepcionados com muito carinho pela Márcia, da Estância das Angolas. Mário Campos é uma cidadezinha a 15km de Inhotim, sem nada pra fazer mas cheia de estâncias e pessoas simpáticas. As crianças já chegaram animadas, exploraram todo o espaço e fizeram amizades com outros hóspedes. O restante da tarde foi aproveitado para descansarmos e começarmos a aventura a Inhotim no dia seguinte.
Acordamos às 8h, tomamos um café reforçado, cheio de pão de queijo, e nos preparamos para o dia: protetor solar, chapéu, roupa extra para as crianças e água. Chegamos no parque às 10:50h (decobrimos que deveríamos chegar mais cedo), pegamos uma fila curta e rápida, já que era terça feira e o movimento é considerado fraco; o ingresso de terças e quintas custa R$ 25,00 para adultos e R$ 12,50 para crianças acima de 5 anos. Pagamos também o carrinho que nos ajuda na locomoção dentro do parque, R$ 25,00 por pessoa, independentemente da idade para maiores de 5 anos. Ao todo gastei R$ 87,50.
Mas tenho que contar sobre o caminho do estacionamento até a bilheteria, que lindo! A Lígia lembrou muito bem: Jurassic Park, sem dinossauros, mas com um mistério por trás daquelas palmeiras que nos trouxe imediatamente ao ambiente, o qual descobriríamos depois, permeia todo o parque.
Recebemos um mapa com a instrução de escolhermos entre as três rotas sugeridas e, por pura intuição, preferimos começar pela laranja, o percurso mais longo e mais cansativo, mas com obras e galerias de tirar o fôlego.
As crianças se encantavam com a surpresa do aparecimento, no meio de toda aquela flora impecável, das várias manifestações artísticas que provocam nossas sensações e nos levam a uma viagem (rara) por nossa imaginação. O mais gostoso foi ouvir deles o que sentiam.
A galeria cosmococa foi uma das primeiras e eles se divertiram muito.
A obra permite a interação. Nas salas com pisos ondulados e fofos, com almofadas gigantes, eles soltaram gritos e palavras espontâneas como, vida torta, o mundo gira, tudo é grande, filme parado, água com luz gelada e por aí vai.
A outra galeria que se encantaram foi a galeria psicoativa de Tunga, que já impressiona na entrada, com obras gigantes e, como disse Constance, com as maiores tranças que ela já viu – ela adora tranças. Bernardo conseguia ver nas cabeças presas nas mesmas tranças todo a angustia de pensar tanto.
A galeria tem uma arquitetura convidativa, com rampas e vidros por toda a parte. Enquanto eu passava e me demorava pelas obras, as crianças subiam e desciam as rampas de acesso aos três pavimentos. E ficamos todos felizes.
Outra galeria muito apreciada por eles foi o galpão. Passaram por todos os incríveis vídeos magistralmente editados, assim como escutaram o coral de 40 vozes em diferentes caixas de som. Sim, observaram e assitiram tudo em completo silêncio, simplesmente se deixaram encantar.
Nesta altura do campeonato, quando saímos da galeria estávamos todos com muita fome. Constance pediu colo e começou a se irritar com qualquer coisa, principalmente com o irmão. Bom, aí foi o meu erro – apesar de ser proibido levar e consumir comida pelo parque, senti que fora muito tempo sem nenhum lanchinho e durante os meses de inverno as lanchonetes espalhadas pelo parque ficam todas fechadas. O jeito foi tentar entretê-la até a chegada ao restaurante, longe por sinal. Tivemos que andar muito e pegar vários carrinhos. Depois de demorados 30 minutos, conseguimos nos servir e comer. O restaurante Oiticica tem um preço justo e a comida é simples e saborosa. Rota laranja cumprida.
No segundo dia de parque, uma quarta-feira, fomos contemplados com a entrada grátis. Como estávamos um pouco cansados do primeiro dia, decidimos fazer a rota amarela, a menor, não precisaríamos de carrinho e assim reduzimos a zero nosso gasto na bilheteria. Decidimos então, já na entrada, que comeríamos no restaurante tamboril, bem mais caro, mas como tínhamos economizado na entrada…
E que percurso maravilhoso e intenso. As galerias e obras são todas próximas e essa proximidade nos colocou em alerta constante. A estrela da vez foi a galeria Cildo Meireles, toda vermelha e uma pia láááá no fundo com a torneira soltando um líquido vermelho que associamos rapidamente com sangue.
A sala com cacos de vidro no chão me levou ao fundo do mar, enquanto a Lígia se viu num campo de guerra. Para as crianças foi um lugar legal de se pisar e escutar o barulhinho. Os jardins são muito bem cuidados e têm uma atmosfera de exotismo, as crianças adoraram os bancos talhados em árvores gigantescas.
Apesar do estímulo visual intenso e caminhadas constantes, as crianças ficaram mais tranquilas, levei frutas, e essa foi a salvação para chegarmos até o almoço com mais naturalidade e menos crises. O restaurante é uma delícia, com ambientes charmosos e ao ar livre, o buffet é bastante variado com aquele tempero mineiro delicioso. As crianças comeram muito bem, a Constance não pagou e o Be pagou meia. Como foi um dia sem gastos com entradas e carrinho, o custo foi quase o mesmo. Rota amarela cumprida.
Chegamos ao terceiro e último dia de parque. Nossa rota da vez seria a rosa, a última e a mais longa. Com as crianças certamente precisaríamos do carrinho e assim fizemos. Compramos as entradas e o carrinho e, como na terça-feira, gastei R$ 87,50.
Começamos pelas galerias mais próximas e a obra mais apreciada pelos 2 foi a do filipino David Medalla. Se encantaram com os cilindros de espuma, imaginaram máquina de lavar, banheira, neve, era do gelo, bengalas, dança no gelo e tantas outras coisas que nem me lembro mais. Quanto a mim, tudo que via era a morte, a espuma saindo de uma boca inerte e sem vida.
De lá pegamos o carrinho para a galeria Miguel Rio Branco, fomos aconselhadas na entrada para não levarmos as crianças, acatamos (ainda bem) e como o parque estava bastante calmo, eles ficaram do lado de fora, com minhas instruções de até onde poderiam ficar brincando. Saí algumas vezes para deixá los cientes que estávamos lá e se estava tudo bem. A exposição foi, na minha opinião, uma das mais chocantes, sigam o conselho da monitora da entrada da galeria, não entrem com as crianças. Vou relatar agora como eles me impressionaram nessa próxima galeria.
Assim que chegamos, li (como costumava fazer) todas as regras para entrar (a maioria eles já sabiam de cór), mas uma regra era nova, pedia absoluto silêncio, era a galeria Doug Aitken, Sonic Pavilion ou o som da terra (literalmente). Pois bem, entramos, Constance já tirou os sapatos e os dois deitaram e ficaram em absoluto silêncio até o momento da saída, que amor… Quando perguntamos o que sentiram, o Bernardo disse que alguns barulhos certamente eram de dinossauros que ficaram embaixo da terra (e tenho que admitir que parecia mesmo, hehe) e Constance sentiu o barulho lá no peito. A experiência é mágica, quando fechei os olhos me senti parte do todo, os barulhos são impactantes quando lembramos que realmente estão vindo da terra, inexplicável, tem que experimentar.
Outras duas galerias da rota rosa foram marcantes para as crianças. Uma é a mais nova jóia do parque, a galeria Claudia Andujar, com uma arquitetura que, segundo o Bernardo, lembrava um quebra-cabeça, a exposição de fotos dos Yanomanis fez sucesso. Adoraram conhecer um pouco mais sobre os índios, parece estranho falar isso de duas crianças, mas foi o que senti quando os vi tão entretidos durante a visitação, acho que é algo ligado aos antepassados.
Em uma das salas tinha desenhos feitos pelos índios, num dos estudos da artista, fiquei até assustada ao notar que os desenhos do Bernardo que representam pessoas eram exatamente iguais ao dos Yanomanis. E olha, ele tem sofrido bastante com isso na escola, os professores a todo momento pedem para ele desenhar o corpo das pessoas com mais verossimilhança à realidade e ele sempre fala que não entende porque se pra ele está tão claro que aqueles desenhos são pessoas… (porque temos que fazer tudo dentro de um padrão?),
Inhotim é também um convite à quebra de paradigmas. A outra galeria de sucesso foi a de Matthew Barney, simplesmente maravilhosa, uma instalação estática (como ele mesmo diz), cheia de movimento. Mas preciso falar a verdade, o que as crianças mais gostaram foi do sistema de ventilação, havia ventiladores embutidos no chão, que sopravam em direção à obra, então foi aí que encontraram a diversão, pisavam em cima da grade e sentiam o vento, que levantou saia, deixou camisetas gordas e fez boné e chapéu voarem para todos os lados, foi uma alegria só.
Almoçamos mais uma vez no Oiticica, nos demoramos um pouco mais por lá, sentimos melhor toda a paz e harmonia que pairavam no ar. Inhotim é isso, tudo isso e quando você chegar lá vai ver que tudo que você viu, leu, imaginou, não chegou nem perto da experiência Inhotim.
Vá, vá logo e leve todas as pessoas que ama, vocês vão se reencontrar.
Preciso, ao final desse texto e dessa viagem, agradecer minhas amigas queridas Célia e Lígia da Suklaá (uma maravilhosa fábrica de chocolate), que com todo carinho me ajudaram a cuidar das crianças.
E devo ressaltar que férias com as crianças pode ser muito, mas muio mais que somente procuras desesperadas por programas infantis. O importante é experimentar e ousar. E rumo à próxima aventura!