por Rita Durigan
No mínimo seria uma noite divertida em família de mais um show bom e gratuito em Nova York. Elle King, cantora e compositora norte-americana de blues rock, se apresentaria no espaço Samsung 837 NYC, uma espécie de playground da marca, em Meatpacking District, coração de Manhattan.
Lá fomos nós, sem nem saber direito se Valentina, com seus 3 anos e meio, poderia entrar. Mas como ela adora música e nos acompanha em inúmeros shows desde bebê, arriscamos. Se não pudesse, iríamos pra outro lugar.
Entrada liberada, para a alegria de todos. Principalmente dela, que havia esperado a tarde toda pelo showzinho no qual iria dançar com o Papai. Estava nessa fase. Sempre que vestia uma saia ou vestido queria dançar com o Papai.
A apresentação era bem intimista. Na arquibancada em frente ao palco, clientes da marca receberam um óculos de Realidade Virtual para interagir com um vídeo de Elle King, 27 anos, falando sobre suas cerca de 50 tatuagens. Fez a primeira aos 14. “Comecei a me tatuar muito jovem, e aprendi a encontrar a beleza no diferente. Eu não canto, ando, falo ou ajo como ninguém. E admiro quem se destaca por se diferenciar. O mundo seria muito chato se todos fossem iguais”, diz ela no vídeo, que você pode assistir (em inglês) aqui.
Tudo estava alinhado ao conceito “Getting up, close and personal” da marca. Elle King entrou conversando com o público, como quem fala com amigos na sala de casa. E mesmo assim, mesmo com a mensagem do vídeo pulsando na minha cabeça, confesso que questionei internamente ela se apresentar tão casual, de calça, jaqueta e cabelos despretenciosamente presos, meio que sem uma preocupação estética para estar ali, pelo menos de acordo com minha cabeça cheia de conceitos e preconceitos contra os quais quero lutar todos os dias.
Estávamos no andar de cima do showroom, com boa visão do palco, espaço para sentar no chão e, claro, dançar muito.
Começou o show – e que show. Valentina continuou sentada, balançando a cabeça e batendo palmas no ritmo da música, mas ali, encolhida e encostada em mim.
O pai extendeu os braços. Ela não foi.
-“Filha, você não vai dançar com o Papai?”, perguntei.
-“Mas Mamãe, eu não estou de saia nem vestido“, respondeu, mostrando a calça de veludo (estava bem frio naquele dia). Seus olhinhos estavam tristes, meu coração ficou. Foi então que algumas escolhas de Elle King naquela noite, provavelmente fruto de uma vida de luta contra imposições sociais, embalaram meu próprio preconceito e nos salvaram.
-“Filha, quem a gente veio ver aqui hoje?”, perguntei.
-“Ela”, respondeu, apontando para o palco.
-“Quem todos estão olhando e aplaudindo desde que apareceu?”, insisti.
-“Ela, Mamãe”, respondeu, mostrando de novo a estrela no palco.
-“Ela também não está de saia, nem de vestido. E está cantando e dançando feliz. E todo mundo ficou mais feliz quando ela chegou”, expliquei pra ela e pra mim mesma. Nessa hora os olhinhos da minha filha voltaram a brilhar. Ela correu pra dar as mãozinhas e dançar com o Papai e nem se lembrou mais do que vestia.
Nós duas, mãe e filha, sentindo na pele pré-conceitos que muitas vezes nos aprisionam e impedem de simplesmente vivermos momentos que não vão voltar.
Como escreveu Carla Paredes, do blog F-utilidades, Um Papo sobre Autoestima, em artigo publicado na Glamour, “…nós não deveríamos nos adaptar à moda, ela deveria se adaptar à gente.” E eu digo que isso deveria valer pra tudo: a moda da roupa que vestimos, da pele que vestimos, da forma física que vestimos, das carapuças que vestimos, das imposições que vestimos, e, também, das que queremos que os outros vistam a qualquer custo.
Não fosse minha filha – e sua frustração sincera daquele momento -, eu não teria compreendido e compartilhado da liberdade de Elle King de vir ao palco ser e fazer feliz, usando sua voz, sua música, sua arte, sua alma.
Foi Elle King, a jovem talentosa que também luta contra as imposições sociais através de sua expressão livre, que, naquela noite, me ajudou a ser a mãe que busco ser pra minha filha. A mulher que quero ser pro mundo e, principalmente, pra mim mesma.
No vídeo ela conta: “Quando eu era muito nova, eu me olhava no espelho e não gostava de mim. Minha mãe me criou para que eu me amasse e dizia que eu era linda. Mas você nunca vai se sentir bonita se você não interiorizar isso. Eu tive que buscar isso pessoalmente”.
Nós, mães, pais, criadores…, somos espelho e responsáveis por ajudar nossas crianças a encontrarem seus próprios caminhos e verdades. Mas, às vezes, é preciso transformar antes algumas coisas dentro de nós mesmos.
Não quero mais olhar pras pessoas e julgá-las pelo que vestem ou aparentam. Não faz sentido. E muito menos que uma peça de roupa impeça minha filha de dançar, ou de voar.

Elle King, no espaço Samsung 837, em NY / Crédito: Cori Chalumeau/Samsung