por Rita Durigan
Era uma sexta-feira linda e ensolarada. Tínhamos pela frente encontro com amigos e um final de semana prolongado na praia para comemorar 7 anos de casamento. Nós 3, como gostamos que seja.
Mas a quinta tinha sido difícil. Dessas com perrengue de trabalho e briga de criança no parque que passa um pouco do limite do “coisa de criança” para o “opa, hora de ser dura e ensinar um pouco mais sobre respeitar o próximo”, em meio ao caos. Quem me conhece de perto sabe como isso é difícil pra mim. Ter que ser dura é minha fraqueza. Me consome. Me destrói. Sou dessas que pára, olha nos olhos, conversa, com calma… Mas, entendam, essa sou eu. Não estou dizendo que isso é certo nem errado. Aliás, diria que é essencial pra alguns momentos, mas não serve pra outros. Graças à Deus, no meu caso, não serve pra raríssimos casos. E naquela quinta não servia. Eu precisava ser brava. De verdade. Sem passar dos limites ou perder o controle que, àquela altura, onde é que estava mesmo?!?
Um turbilhão de emoções e sentimentos dentro de nós duas. E a mãe ali era eu. A consciente de que era um momento de parar, respirar fundo e resgatar o controle era eu. A responsável. A conversa dura era essencial. O vamos embora agora, indispensável. A frustração, consequência. O abraço parece não confortar no ápice do conflito, mas o caminho de bike pra casa pode ajudar.
Chegamos despedaçadas. Exaustas. Parece exagero, mas na construção de um ser humano esse é um momento de extrema importância. E na relação de confiança entre pais e filhos, também. Acredito.
Banho pra duas, pra relaxar. Lavar corpo e alma. Comida, pra alimentar a falta de energia consumida. E mais conversa. Agora sim os abraços se encaixavam novamente e perfeitamente. Os olhares se falavam. Havia controle. Consciência. A conversa franca voltava a fazer sentido.
Papai chegou e contamos tudo que havia acontecido. Mais conversa.
Minha cabeça explodia. Coloquei Valentina pra dormir com todo o ritual diário que é um dos nossos momentinhos especiais, confesso: dentes, xixi, mamadeira, oração… não deu tempo pra historinha. Ela dormiu. Tomei um banho e fui dormir também. Antes das 21h30, apaguei. Com a certeza de que o amanhã seria melhor.
Acordei bem cedo, 20 minutos antes do normal. O que? Em 20 minutos eu resolvo o mundo. Mas meu coração ainda estava com aquele riso triste, enfraquecido. Valentina acordou com aquele sorrisinho de todas as manhãs… Nos abraçamos, perguntei se ela tinha dormido bem, como sempre faço. E se ela estava bem e tinha entendido que ontem não tinha sido um dia legal. Ela disse que sabia. Nos abraçamos de novo e fui pros meus 30 minutos de academia. Enquanto exercitava o corpo, a mente trabalhava pra pensar em algo pra tirar o peso do que já tinha ido e sido extensamente conversado e cansativo.
Lembrei dos livros que separamos para doação. Era o último dia da aulinha de verão de canto, dança e teatro. E a escola de dança fica a meia quadra de um parque que tem uma bibliotequinha pra doações de livros infantis.
Tomamos café juntos, em família, troquei ela e saímos mais cedo. Quando virei a esquina uma quadra antes da habitual, ela perguntou:
-“Pra onde a gente vai, Mamãe? Porque não vamos pra aulinha?”
-“A gente vai, filha. Mas antes a gente vai fazer uma coisa bem legal. Uma coisa boa. Vamos doar livros”.
-Parei em frente a biblioteca fofa em forma de coruja e contei que ali a gente deixava os livrinhos para outras crianças lerem. Fomos tirando um por um, lembrando coisas sobre as leituras deles e quando ela dizia “agora põe lá, Mamãe”, eu colocava. Teve um que ela pediu pra não doar ainda, que ela queria ler de novo. Respeitei. Ela ainda perguntou: “crianças que não tem livro podem ler e levar pra casa?” Respondi que sim. Ela sorriu.
-“Pronto. Agora vamos pra sua aulinha.” Ela deu uma gargalhadinha que faz quando está muito feliz.
-“Você está feliz, filha?”
-“Sim, Mamãe. Muito feliz. Meu coração quer até dançar.”
E nesse momento tudo fez sentido. Amanheceu nosso dia lindo. A gente só precisava colocar nossos corações pra dançar.