Por Paty Juliani
Corte:
1 Ação ou efeito de cortar; corteamento.
2 Incisão ou talho com instrumento cortante.
3 Fio ou gume de instrumento cortante.
4 Talho feito na carne de gado, em abatedouro ou açougue.
5 ARQUIT Cada uma das facefs inclinadas das aduelas de um arco de edifício.
6 Talho que o escultor faz na madeira ou na pedra ao esculpir.
7 Cada um dos planos talhados pelo escultor num bloco, antes de iniciar o seu trabalho.
8 Talhe de uma roupa.
9 Porção de tecido necessário para confeccionar uma peça de vestuário.
10 Retirada ou remoção da parte excessiva de um todo; desbaste.
11 Diminuição ou redução de algo.
12 Eliminação ou supressão de algo.
13 Rompimento de relações entre países, pessoas, partidos etc.
14 Trecho retirado de artigo jornalístico, trabalho científico ou de uma obra de arte.
15 ARQUIT Representação gráfica de uma edificação por meio de plano horizontal e vertical, a fim de exibir seus detalhes interiores.
16 CALIGR Linha horizontal que atravessa a haste de determinadas letras e o número sete.
17 ENCAD Cada uma das três faces de um livro que são aparadas durante o processo de encadernação.
18 CIN, TV Interrupção de uma tomada que está sendo feita pela câmera.
19 FUT Drible ou finta.
Fonte: dicionário Michaelis
Cortes são difíceis, duros e só fazem sentido quando extremamente necessários.
Quando o novelo embola, fazemos de tudo para não cortar a lã. Passamos horas tentando desfazer os nós para que o fio permaneça uno, intacto, indivisível. Se, depois de horas (e até dias), aqueles nós ainda estiverem impedindo a passagem da fluidez do fio e da construção do novelo, aí sim fazemos o corte. O corte, que esteticamente estará sempre lá, mas que ultrapassa essa questão. Ele nos fará sempre lembrar que a linha embolou, que o emaranhado se fez e que, mesmo com todo esforço e dedicação, não houve outro caminho.
A artesã respeita a matéria. Sabe que ela traz não só beleza mas sensações. Tece, fia, borda e não gosta de remendos. Ela gosta de fios que deslizam, que mantém a uniformidade. Cortes, nós e emaranhados só farão sentido se forem propositais ou intencionais, ou seja, se forem feitos por escolha. O corte do fio, no meio do novelo, antes do trabalho ser iniciado, não é escolha. É rompimento. Quando o corte chega, a artesã tenta, de todas as maneiras, escondê-lo e integrá-lo ao todo que está sendo construído. Porém, visível ou invisível, ele está lá. Sempre estará. Não é desvio, mas sim barragem. O que vem depois é reconstrução.
As mãos da menina artesã eram assim. Se recusavam a cortar as lãs emboladas no novelo. Só queria fazer cortes, emendas e reconstruções por escolhas. Somente por escolhas. Mas será que nós, mulheres, sempre temos escolhas? Ela relutava em fazê-los, mas tinha os seus. Eles estava ali, visíveis, para sempre lembra-la. Ali, em sua pele, gritava a passividade diante de valores controversos, de algumas ausências e de tantas faltas. Falta de dor de vida mas presença de dor de morte, que fez a menina deixar de ser um pouco menina.
O tempo (que era seu companheiro) não lhe deu tempo de refazer essa história. E talvez tivesse que ser assim. Afinal, ela teve meninas e a continuação dessa história, quem sabe, esteja ali. Ou não! Porque as histórias que contamos, nem sempre são as histórias que gostaríamos de contar.
Corpos não são como lãs, que já foram vida. Eles são vida viva. Matéria pulsante, potente e fundamental. E nada, nem ninguém, pode tirar-lhes essa força.
A menina segue tecendo, compondo e recompondo seus fios. Os fios que lhe habitam. Os fios de sua morada. Seus cortes ainda doem. Mas ela já aprendeu que algumas dores são assim: irão sempre nos acompanhar e temos que aprender a conviver com elas.
* Este texto é dedicado às mulheres que, direta ou indiretamente, me ajudaram a escrevê-lo (depois de anos de tentativa): Dede Lovitch, Rita Elisa Durigan, Carolina Schneider, Carla Arruda, Vivian Catenacci, Tati Zalla, Isadora Canto, Fernanda Campos Costa, Ana Nava, Nina Veiga, Sofia Amorim e Luciana Aguilar.