por Rita Durigan
Não que eu goste da história que há por trás das verdades desse ’stand-up’ de Hannah Gadsby, chamado Nanette, exibido no Netflix. Mas da lupa que é colocada em temas tão profundos, relevantes e, infelizmente, corriqueiros da vida humana. A forma como o conteúdo é produzido pela comediante nos tira da zona de conforto e faz pensar sobre como pensamos e agimos todos os dias.
É na comédia que Hannah respira de uma vida marcada pela pressão contra a homossexualidade, externa e interna, e os abusos de todos os tipos vindos de todos os lados. Rir contagia pro bem. Raiva gera tensão e contagia pro mal, segundo ela.
Australiana, Hannah nasceu e cresceu numa cidade da Tasmânia, onde até 1997 – não, essa data não está errada – homossexualidade era mais do que um vergonhoso e punitivo pecado. Era crime. Moldada por essa cultura, cresceu também com ela o medo, a raiva de ser quem era, a nescessidade de autopunição.
Entre as inúmeras reflexões que Hannah traz, uma é sobre se posicionar na vida e mudar rotas, de acordo com nossas crenças e valores, com nossos aprendizados. Ela fez a carreira como comediante de stand-up tradicional, que segue a linha da autodepreciação. Segundo ela, era uma forma de se punir também por ser quem era. Não fará mais, garante. Compreendeu que o riso pode adoçar a cura, mas que são as histórias que realmente curam. Por isso, resolveu contar a sua. No palco. Televisionado. Em público. Apesar de nunca ter revelado para a avó sua preferência sexual.
Formada em artes, ela usa exemplos como Pablo Picasso para falar sobre como nossa sociedade aceita padrões abusivos de relacionamento quando é do masculino para o feminino. Cita abusos que sofreu: sexuais, por ter corpo de mulher, e agressivos, por ser lésbica. Também aborda a relação com a mãe e suas reações para com a filha ao longo da vida e, claro, a influência disso tudo. Fala de como as crianças e adolescentes podem ser tornar prisioneiras de cultos e culturas. Pede socorro em nome de tantos que podem estar ao nosso lado agora. Ou em nós mesmos.
Há quem diga que é perturbador. Eu diria que é necessário.