por Rita Durigan
Final de semana entre amigos, na casa de amigos. Eles têm um casal de filhos: o menino, 5 anos, e a menina, 2. Quando cheguei na casa, onde não ia há um tempo, e fui pra área de brinquedos, logo reparei na cozinha de brinquedo, linda. Eu e outra amiga estávamos encantadas. A mãe das crianças, dona da casa, é doceira dessas de deixar a gente com água na boca. E pensei: a filha já vai pegando gosto como a mãe.
Não só pensei, mas falei pra ela: “Que cozinha legal que você ganhou.” Repeti algumas vezes, inlcuindo mostrar pra minha filha: “olha a cozinha dela que linda, filha.”
Até que o menino me interrompeu: “ei, a cozinha é minha também.” E a mãe, minha amiga e por quem tenho enorme admiração, que havia silenciado até aquele momento, disse: “é dos dois, Rita. Ganharam de Natal. Ele adora me ajudar cozinhar.”
Claro, eu sabia disso. Claro, todas as crianças amam fazer os que os pais fazem. Claro que brincar não tem gênero. Claro, não existe brinquedo de menina e menino. CLARO, EU REPITO ISSO O TEMPO TODO, mas fui pega por algo que ainda habita dentro de mim, o preconceito.
Depois, minha amiga ainda me disse: “Estou ouvindo você falar e não quis interferir pra deixar ele reagir”. Eu me desculpei, sem culpa, mas consciente de como tinha sido pega pelo que há dentro de mim, enraizado. Eu estava encantada e falei o que pensei, de fato. Provavelmente, diante daquela cozinhinha de sonhos, me esqueci de refletir, de pensar consciente, e simplesmente falei. O que sentia, é verdade.
Minimizamos na hora, pra não tornar um tema sério pras crianças. Que, na real, só devem ter me achado uma desinformada. Ainda falei pra ele: “esqueci o tanto que você gosta e sabe cozinhar e adorei a cozinha de vocês”. Mas voltei pra casa com essa pulguinha atrás da orelha. Minha amiga disse que também ficou pensando no assunto.
Voltei refletindo sobre como foi natural chegar àquela conclusão de que a cozinha era da menina, não do menino. Como, se não tivesse a interferência, esse preconceito continuaria, naturalmente, como verdade absoluta dentro de mim. Inconciente, mas pulsante.
Não é fácil assumir isso aqui. Mas me ajuda a lutar contra esse e tantos outros preconceitos que ainda moram dentro de mim, mesmo que eu não queira ou, se quer, perceba. E contra os quais sei que tenho que lutar. Todos os dias. Como me escreveu minha amiga: “Somos muito privilegiadas de nos permitir esse tipo de reflexão e mudança.”
Que o brincar possa ser livre, possa ser natural, e possa ser o aprendizado sensorial de uma vida inteira que está por vir. Sem amarras e sem preconceitos. Que a gente reflita mais e assuma o que é preciso mudar. E que as mudanças comecem dentro da gente. Só assim, de fato, estaremos trilhando o caminho para a igualdade de direitos que tanto sonhamos.
E, como
sabemos , é muito bom ter pai , gente boa de cozinha, com vc tem.