Receita de Mãe – Por que deixei de comprar presentes…

Por que deixei de comprar presentes no Dia das Crianças… e das Mães… e dos Pais...

por Lena Castellon, especial para o Criar com Asas

Lena (Instagram @lecastel ) é minha amiga. Jornalista dessas que eu era fã e hoje tenho a honra de trabalhar junto em alguns projetos importantes. A admiração aumentou. E em nossas conversas decobri algo precioso na sua trajetória de mãe de um casal que hoje já são de jovens. E ela continua jovem. Convidei e ela topou escrever pra gente. Um presente. Desses que ninguém, jamais, deveria deixar de dar ❤️. Obrigada, Lena. – Rita Durigan.

“Em um dia de muita correria me deu um estalo. Era alguma data comemorativa e várias vezes ouvi gente se perguntando se já tinha comprado isso ou aquilo. Havia certo clima de urgência no ar, como se todas as mercadorias dos shoppings fossem terminar em poucas horas. Talvez fosse a Páscoa. Ou o Dia das Crianças. Quase estava embarcando nessa loucura quando tive esse tal de estalo. Por que deveria me afligir e disparar contra o relógio, voando do trabalho para passar num shopping tarde da noite ou acordando cedo para encarar uma rua 25 de Março e comprar um presente porque… todo mundo está comprando? Eu estava sendo levada como peixe num cardume. Na hora em que me dei conta disso, foi libertador. Não apenas por causa do relógio, diga-se. Foi a conscientização de que algo não me agradava e eu continuava fazendo no automático. Era a percepção de que estava sujeita a uma “obrigação” imposta por uma data comercial. 

Lojistas, perdão, eu sei que vocês precisam vender, mas me senti livre naquele momento. Data comercial é uma data para o comércio. Sim, você pode deixar feliz outra pessoa com um presente comprado (mesmo na pressa). Mas isso não muda o fato de aquela data ter surgido por um objetivo do comércio: vender mais. Foi aí que resolvi desistir de todas as datas comemorativas de viés comercial. Não me fariam mais correr para cumprir calendário. 

Até porque, o que mais gosto mesmo é encontrar algo do nada, é bater o olho e falar de repente: “isso é perfeito para fulano”. E levar o presente para fulano. Sem nenhuma data “justificando” o ato. Gosto de presentear alguém quando me deparo com algo que represente ou agrade essa pessoa. 

Desistir de comemorar as datas comerciais não me custou sacrifícios. Mas exigiu que eu refletisse um pouco a respeito. Não ceder à pressão das compras em uma data específica poderia não agradar quem eu mais gostaria de agradar no mundo: meus filhos (um casal). Na época, eles eram umas coisinhas pequenas que achavam que eu sabia de todas as coisas (ah, que ilusão). Felizmente eles também tinham aprendido a ter opinião, já que sempre tivemos o hábito de papear analisando acontecimentos, fossem eles um episódio dos desenhos favoritos na TV, uma festa na escola ou um fato do mundo. Dava, portanto, para explicar o estalo que tive.

– Estive pensando… acho que o Dia das Crianças é uma data muito comercial. Todo mundo fica comprando, comprando, comprando. Vai todo mundo para o shopping e para quê? Qual o objetivo? É comprar ou dedicar o inteiro para as crianças? Brinquedo novo é legal, lógico. Quem não gosta de ganhar? Mas será que o Dia das Crianças não virou mais a coisa de comprar em vez de ser algo divertido entre a gente? 

Meus filhos já entendiam que sou uma mulher que tem causas. Não fico fazendo discursos o tempo inteiro. Mas tenho como prática explicar a razão de algumas atitudes minhas. Sustentabilidade, por exemplo, a gente abraçou logo – o que aconteceu principalmente por estímulo das crianças, que recebiam muita informação sobre o assunto na escola. Porém falo também de algumas posturas na vida. Não proíbo nada. Nunca proibi porque acredito que o diálogo funciona melhor (acrescento uma observação: cada um adote seu conceito. Não estou dizendo que esse é o melhor). Quando não queria que as crianças fizessem algo, eu dizia que não gostava daquilo e dava o motivo para tanto. Com isso, meus filhos aprenderam que a gente tem razões para tomar certas decisões. 

Seria natural, portanto, que eu levasse a história de não comemorar datas comerciais para debater com minha dupla.

– Resolvi fazer diferente e espero que vocês me entendam. Não vou comprar nada no Dia das Crianças. Não vou correr pra encontrar promoção no shopping. Ou para chegar lá e não encontrar o que vocês pediram e sair com outra coisa para compensar. Isso é tão comum, sabiam? A gente não encontra o que vocês pediram e leva outra coisa só porque é “Dia das Crianças”. Pra não sair de mãos vazias. Na minha cabeça, não faz sentido. Não vale a pena comprar por comprar. E já que é assim… não vou comprar mais nada em nenhuma data comercial. Não vai ter presente de Dia das Crianças, nem de Dia das Mães ou dos Pais. Mas isso não quer dizer que vocês não vão mais ganhar presentes. Não é isso. Quer dizer que, quando encontrar algo legal pra vocês, eu compro. Isso vale para qualquer data. Não teremos um único Dia da Crianças. Teremos todos os dias. Que tal?

Antes que eles se empolgassem demais, expliquei que não é que teriam presentes todos os dias. Não! Todos os dias eram deles, só que presente eu daria apenas se achasse algo bacana – e se tivesse dinheiro. Jamais escondi deles o esforço que é trabalhar para ter dinheiro para nossas coisas. 

Ficamos um tempo conversando sobre a novidade. O que seriam os presentes? Qualquer coisa. Como as geléias gostosas que eu tinha comprado em Berlim, numa viagem de trabalho. Não tinha sido um presente bacana? “Sim, foram as melhores geléias que comi na vida”, disse minha pequena, com os olhinhos brilhando (até hoje ela fala das geléias de Berlim). Então, eles concordaram com minha ideia. Estava tudo bem por eles. A partir dali, a gente não se ocupou mais com Dia disso ou Dia daquilo. 

A decisão acabou envolvendo mais gente. Meus filhos perguntaram o que aconteceria em relação a outras pessoas. Elas poderiam comprar ovo de Páscoa ou brinquedo no Dia das Crianças? Disse que as outras famílias tomam decisões por elas. Se quiserem comprar coisas nas datas comerciais, ok. A gente não interfere na vida de ninguém, afinal. Falei que, se recebessem presentes nesses dias, agradeceriam do mesmo jeito que vinham fazendo. “E se meu pai quiser comprar um presente do Dia das Mães pra gente te dar?”. Tive de refletir mais um pouco. “Crianças, não quero que vocês comprem nada para mim no Dia das Mães. Não quero que peçam dinheiro para o pai de vocês por esse motivo. Vou conversar com ele sobre isso e gostaria que ele entendesse o nosso acordo”. 

Foi, de fato, um acordo familiar. Expliquei para meu ex-marido a resolução. Ele ficou um pouco confuso no começo. “Não vou poder comprar nada no Dia das Crianças?”. Respondi que, se quisesse, sim. Mas que as crianças não iriam fazer pedidos ou esperar presentes nesse dia. Ele concordou com a ideia. E entendeu que também não receberia nada no Dia dos Pais. Foi bem tranquilo.

Conversei com uma das minhas irmãs sobre isso também. Ela resistiu. “Eu gosto de dar presente e eles são meus sobrinhos. Ah, eu vou comprar.” Disse que ela podia fazer o que quisesse. Quando nasceram meus sobrinhos, ela me inquiriu sobre minha decisão. Não iria dar nada? Respondi que valeria a mesma coisa. Não faço compras no Dia das Crianças e nem na Páscoa, que virou data de dar chocolate (Natal eu considero diferente). Mas compro a qualquer hora. Por sorte, todos os anos, em junho, faço uma viagem para a França por motivo de trabalho. E assim levo presentes gringos para as crianças da família e para meus pais se encontro algo interessante.

Se isso parece consumista, digo que não. Não é toda hora que a gente vai às compras. Normalmente, é por necessidade (roupa de criança perde rápido, né). Com o tempo, no entanto, eu e meus filhos incorporamos uma posição não-consumista. A gente não é de passear em shopping pra ver vitrines. A gente nem se interessa por esse tipo de coisa. Minha dupla não dá bola para roupa ou tênis ou perfume ou óculos ou… (eu gosto mais disso do que eles). Só tem uma marca pela qual eles se transformam realmente em consumidores vorazes. É a Nintendo. 

Gostaria de ressaltar que a gente não é do contra porque deixou de aderir às datas comerciais. Não somos porque não fazemos força nenhuma para convencer os demais sobre nossa postura. Na nossa casa, os valores foram estabelecidos em conjunto: eu, filhotinho e filhotinha. E outro valor que a gente prega é o respeito ao pensamento divergente.

Meus filhos estão grandes. O Dia das Crianças virou passado. O Dia das Mães nunca mais foi comemorado entre nós. Não porque a gente não ache que mães mereçam comemorações. Pelo contrário. Mas minha comemoração acontece de outra maneira. Quando meu filho prepara o jantar para mim ou minha filha me abraça porque tive um dia ruim ou simplesmente faz café e me serve uma xícara, eu me sinto feliz por ser mãe dessas “crianças” (eles crescem, mas ainda me pego chamando os dois assim). Os pequeninos se tornaram jovens conectados com as demandas do mundo. Pregam valores sustentáveis, lutam pelo feminismo e igualdade de direitos. Se descobrem que uma marca utilizou trabalho escravo, pedem para que eu não compre nada dessa empresa (eles me informam se suspeitam que eu não saiba de um fato desses). Sinto-me muito homenageada como mãe quando penso nas atitudes deles. Filhos assim são um presente! – Lena Castellon.

Lena Castellon, jornalista e mãe de um casal de jovens.

Se você leu até aqui, acabou de ganhar um presente precioso da Lena Castellon. Sem data, com um pouco de correria, talvez, pra encaixar essa produção tão valiosa na agenda. E eu só posso agradecer a ela e ao universo por cruzar o caminho de pessoas assim. bjs, Rita.

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