Por Paty Juliani
A lágrima escorrendo em seu rosto.
O choro inundando meu coração.
Excessos vividos.
Ausências sentidas.
A vida tem pedido água.
Para fora.
Para dentro.
O silêncio.
O escurinho do quarto.
O momento antes do sono chegar.
– Quer conversar?
– Não.
Deito ao seu lado.
Nos abraçamos.
Há um sentir descompassado.
Uma incompreensão.
Alguns entendimentos.
– Pode chorar. Às vezes, é preciso.
Aguar.
Desaguar.
Em um dia bem distante desse, enquanto tentava poetizar um sentir, peguei a caneta e escrevi “eu queria saber voar”.
Entre lágrimas e sorrisos, cervejas e amendoins, entre amigas irmãs, na sala de um apartamento e olhando para o céu de São Paulo, tentei verbalizar o desejo, a impossibilidade ou o medo que sentia.
A liberdade era outra.
As prisões também.
E a escrita, permaneceu inacabada.
Anos mais tarde, na cidade que ampliou minhas asas, ganhei uma menina cujo maior desejo sempre foi voar.
– Amanhã, vamos andar de bicicleta.
– Vamos.
Ainda entrelaçada em seu abraço, sentido a água correr, pude perceber um sorriso.
O abraço ficou mais forte.
O coração voltou ao compasso.
O silêncio se rompeu.
Ela entendeu.
Em um dia, não muito distante desse, eu lhe disse:
– Andar de bicicleta é o nosso voo. Quando você tirar a gaiola (rodinha) que prende essas asas (rodas), você entenderá o que estou tentando dizer.
Em outro dia, menos distante ainda, foi ela quem me falou:
– Você tinha razão. Parece que estou voando.
Ela precisava voar.
E eu também.
A liberdade agora é outra.
As prisões, também.
– Está melhor?
– Sim.
– Eu te amo.
– Eu também.
E, se uma nasce querendo voar. A outra já nasce livre.
Mas liberdade é algo assustador.
Uma precisava. A outra temia.
Talvez por ver a irmã tão plena quando fazia seu voo.
Talvez pelo tombo que um dia deixou marcas em seu corpo.
Talvez por hipótese.
Ou, por suposição.
A menina, tão livre, tinha medo de tirar aquela gaiola.
Medo?
Frustração?
É preciso coragem para descobrir-se.
Para fora.
Para dentro.
– Você fica com a pequena. Eu vou sair com a mais velha.
Pedalamos com enorme rapidez.
Sentimos o vento gelado cortar nossos rostos.
Sorrimos.
Deslizamos.
– Eu queria que ela conseguisse.
– Eu também.
– Ela vai conseguir.
– Eu sei.
Corremos o mais rápido que conseguimos.
Gargalhamos.
O ar era frio mas esquentava dentro de nós.
Ela está tão grande.
E tão linda.
– Vamos voltar?
– Sim.
Seguimos intercalando velocidades.
Andamos lado a lado.
Vento forte atravessando o corpo.
Voos alçados.
Céu mudando de cor.
– É ela?
– Sim, mamãe. É sim.
Disparei.
Agora o vento levava minhas lágrimas.
Aguar.
Desaguar.
Para fora.
Para dentro.
Minha pequena alça seu primeiro voo.
Com coragem.
Após inúmeras tentativas.
Longe de sua referência.
Sem expectativas.
– Ela conseguiu.
– Sim.
E agora a água era minha.
Mas os sorrisos eram nossos.
Aguar.
Desaguar.
A menina livre alça seu voo fora de casa.
Mas dentro dos limites dos muros.
A liberdade agora é outra.
As prisões também.
Para fora.
Para dentro.
E se a prisão tem inúmeras formas, a liberdade pode ter infinitos gestos.
