No pulso da pandemia

por Rita Durigan

Corpos perdidos entre os afazeres de adultos atarantados, desesperados, desmotivados.

E vamos falar de privilégios. De crianças que não passam por abusos violentos de seus corpos e almas, desses reconhecidos como violência…

Porque são tantos… e de tantas formas…

Corpos que tentam se encaixar na casa que não pode sujar, não cabe rolar, não deixa pular.

“Psiiiuuuu! Não grita!”

Corpos que se batiam felizes contra o chão do tombo. Que corriam e esbarravam em corpos de espaços parecidos: pega-pega, esconde-esconde, amarelinha. Corpos que crescem agora sem o encontro de outra infância.

Um ano.

Corpos que tinham nas escolas encontros com seres de dimensões internas e externas parecidas. De fases semelhantes de descobrir o mundo, expandir. E que, agora, no máximo vão se olhar de suas carteiras por olhos sob máscaras que escondem os sorrisos, os cochichos.

“Não chegue perto.” “Não tire a máscara.” “Não coce o olho.” “Abraçar? Nem pensar.”

Ecos de uma infância pandêmica.

E as telas, sempre tão controladas, com tempo definido para jamais substituir o livre brincar dos encontros corríveis e abraçáveis…

“Criança, abre rápido esse computador. Já começou! Você sabe a senha, só colocar.”

A senha.

“Mamãe, meus olhinhos estão doendo!”

“Tem que terminar. Se terminar te deixo ver um filminho.”

“Vou ler um livro. Meus olhinhos já estão doendo de tanta tela.”

Silêncio.

“Que bom, meu amor. Depois vamos brincar. Do que você quiser.”

Silêncio.

O corpo se encaixa embaixo da mesa. Depois da poltrona. Depois do sofá.

Refúgio.

Então, o colo.

“Tá triste? Tá tudo bem ficar assim. Pode falar!”

Coração pulsando, cada um num descompasso.

Colados, buscando encontro de corpos que nunca foram estranhos.

Coração mãe, coração filha.

Aos poucos, o ritmo. Compasso. Melodia.

Tum-tum. Tum-tum. Tum-tum.

Uma lágrima escorre. A calma. Tão perto, tão simples, tão vida.

Maternar. De dentro pra fora.

De fora pra dentro, no abraço.

“É normal sentir isso. Que bom que você está falando. Tá difícil, né? Eu também fico assim às vezes. Você sabe, né? Tem horas que fico irritada também. Então. O importante é que a gente entenda que tudo bem sentir tudo isso. E que a gente pode conversar. Sempre. Se cuidar. Se abraçar, sem ter que esperar tudo passar. Sem a pressa de acabar. Fique aqui. O tempo que quiser. Passe o tempo que passar. Pode ir, porque você sabe que pode voltar.”

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