por Rita Durigan
Limpar,
organizar,
cuidar.
A casa,
o ninho,
o ventre.
Faz tempo, eu cuido. Mas não é sempre.
Tem dias que…
Cansaço. É tanto… mas tanto…
Vou dormir.
E no caminho me lembro da roupa molhada pra colocar pra secar,
da compra que faltou finalizar,
da louça que está na pia,
da reunião que esqueci de marcar.
O médico… amanhã eu agendo.
Melhor anotar.
O email, aberto, sem enviar… falta finalizar.
-“Mamãe, vem!”
-“Já vou, meu amor.” (depois eu desço pra terminar tudo isso.)
Ao seu lado, adormeço. Depois da história, de falarmos do dia, de nossos “Eu te amo” e “Obrigados”. E essa é a melhor de todas as partes, do todo.
Assim são dias, são noites…
Chega o sábado. E o sábado foi cheio.
Eu precisava limpar, organizar, cuidar. Da casa, do ninho, do ventre.
Tirar tudo do lugar, tirar pó, varrer, escovar, passar pano, esfregar a pia, o vaso e o chão dos banheiros. Aquela angústia vai se ressignificando aqui dentro. Há beleza nisso tudo. Eu preciso, vez ou outra, ficar só nesse tempo e espaço.
-“Não pise ai que estou limpando.”
Eu precisava ficar só enquanto tirava tudo do lugar, tirava o pó, varria, escovava, passava pano, esfregava a pia, o vaso e o chão dos banheiros.
A alma vai sendo lavada. As coisas, voltando pro lugar. Por horas a fio, quase 5 ininterruptas, eu disse: “agora não posso” aos seus “vamos brincar, Mamãe?” Te senti e senti por você, mas eu precisava.
Você entra no banho enquanto eu limpo o andar de cima. Te ouço cantar. Entro e agradeço. Nesse dia eu não tinha colocado nada pra ouvir durante a limpeza, como de costume. Precisava ouvir a mim mesma, os sons do meu fazer, realizar, o meu calar. Mas seu canto… seu canto de menina… seu canto de encanto… um chamado.
Entro e agradeço. Digo que acabei lá fora, agora só falta aqui dentro. Enquanto você termina o banho, eu termino o seu banheiro.
-“Mamãe, hoje eu senti como se eu não fizesse sentido na casa.”
-“Como assim, filha?”
-“Você ficou trabalhando e eu queria brincar.”
-“Que bom que você está me falando isso, meu amor. Você importa mais que tudo. Mas tem horas que eu também preciso parar tudo pra limpar, organizar, cuidar.”
A conversa seguiu. Falamos da gente. Contei que também me sinto assim às vezes. Como se eu não importasse.
-“Isso não é verdade, Mamãe. Você é muito importante pra mim.”
-“E você a mais importante pra mim.”
-“Eu sei.”
-“Eu também. Mas às vezes a gente esquece. E sente que não. É normal, mas é importante a gente falar sobre isso.”
-“Mamãe, eu tô feliz de novo. Você tá aqui.”
-“Eu também. E agora acabei tudo. A casa está limpinha pra gente brincar o resto do final de semana, a familinha toda.”
-“Jura?”
-“Sim, meu amor. Porque agora vem o que realmente importa. Mas a Mamãe precisava parar, reorganizar tudo, colocar tudo no lugar.”
-“Obrigada por essa conversa, Mamãe.”
-“Obrigada você, meu amor. Foi tão importante pra você quanto pra mim.”
O fim de tarde e a noite chegaram com uma casa cheia de gargalhadas entre mímicas, jogos de tabuleiro, e uma leveza que tinha cheirinho de casa limpa e som de casa habitada.
As coisas estavam no lugar novamente. De dentro pra fora.