Por Paty Juliani
Em 2019, num mundo outro, antes de pandemia, vírus, etc, fomos para São Paulo passar um final de semana nas ruas. Era a Virada Cultural e tínhamos marcado com um casal de amigos que mora lá.
A ideia era passar o dia inteiro andando com nossas crianças, no centro de São Paulo, assistindo shows, apresentações, comendo em barracas e aproveitando, ao máximo, tudo que nos era oferecido por tantos artistas, de diversas partes do país.
Foi um final de semana intenso, bonito e muito, muito especial (até hoje elas se recordam dele).
Ali, nós vimos apresentações de circo, teatro, orquestras de diferentes formas, danças de todos os gêneros e terminamos nosso final de semana assistindo Branco Melo e Miranda Kassin no Teatro Municipal, com a orquestra de São Paulo tocando Titãs.
Fiquei tão feliz e impressionada com tudo aquilo que escrevi, no nosso blog, sobre a importância de estar e vivenciar esses momentos na rua, sobre a arte que se faz nela e como é bonito ver as crianças presentes em tudo isso (texto escrito em 18 de maio de 2019). A foto que ilustrava o post era das minhas filhas assistindo bailarinas se apresentando, com suas sapatilhas de pontas, na rua.
Hoje, quase três anos depois, aqui estou: nas ruas. Em um evento até então desconhecido por mim, mas que movimenta uma cidade, um estado e, porque não dizer, um país. Um evento internacional de dança, que se faz não apenas no teatro principal, mas em muitos pontos e lugares da cidade, inclusive nas praças.
Em julho, a cidade de Joinville recebe gente do mundo todo que vem para se apresentar em seus palcos. Um evento importante e muito esperado.
Alguns grupos se apresentam no teatro principal, com toda a estrutura e possibilidade que os grandes teatros oferecem, participando da competição (palco fechado) e outros grupos (que não conseguiram o palco fechado, mas foram selecionados) se apresentam em outros palcos espalhados pela cidade (palcos abertos), dando acesso e possibilidade para todas as pessoas assistirem, de graça, suas danças.
E, caminhando pelas ruas de Joinville, paramos no palco da praça. Ali, além de grupos de bailarinos que estavam assistindo, vibrando com seus pares e escolas e se apresentando, vi pessoas chegarem e ocuparem cadeiras, corredores e murinhos laterais. Vi crianças comprando suas pipocas e assistindo apresentações diversas de ballet a danças urbanas. Vi trabalhadores de rua e moradores de seu entorno aplaudindo artistas que gentilmente se disponibilizavam para que sua arte ganhasse novos olhares e ampliassem possibilidades.
Nem todo mundo que ali estava talvez tivesse tempo, disponibilidade e dinheiro para assistir todos aqueles espetáculos em algum teatro, com ingresso e hora marcada, mas ali sim, eles poderiam ver. E teriam acesso. Porque a arte que se faz na rua, nos espaços públicos ampliam todas as possibilidades. Transformam vidas. Atingem não só aqueles que gostam, querem, mas não podem ver alguns espetáculos, mas aqueles que estão de passagem, que nem imaginariam parar para assistir uma apresentação de uma linguagem talvez desconhecida por eles. Pessoas que acabam sendo “capturadas” e que param para se encantar.
É bonito demais assistir quem está assistindo o espetáculo acontecer nesses lugares. O encantamento de olhos surpreendidos, a entrega, energia e concentração de quem disponibiliza sua arte e a faz, da maneira mais verdadeira e inteira possível, num lugar repleto de ruídos, intervenções e desafios.
Amanhã eu estarei no teatro. Irei me encantar novamente com a imensidão que esse espaço sempre me provoca. Tenho certeza que sairei de lá transformada (como sempre saio) com tudo que foi desenvolvido e preparado para a magia acontecer, mas hoje a rua e sua infinidade está impregnada em mim.
Que bom!
E, para traduzir o que desejei descrever aqui, trago novamente o texto da jornalista Eliane Brun, que usei naquele texto da Virada Cultural mencionado anteriormente (https://criarcomasas.com/2019/05/20/o-que-gostamos-rua-para-todos/):
“Ir para a rua, ocupar as ruas, o imperativo ético deste momento, só é possível com encontro. A rua pressupõe encontro real. Pressupõe se arriscar ao outro. Pressupõe conviver de corpo encarnado. Pressupõe negociação de conflitos para dividir o espaço público. A rua é onde estamos com nossos fluidos, enfiados na nossa própria pele, carregando nossas fragilidades diante do outro sem nenhum botão de curtir ou de raiva para acionar”.
Viva as ruas.
E todos que a ocupam.
