Por Paty Juliani
Ontem, ao te chamar, vi seu corpo enrijecer.
Eu sabia: algo estava errado.
Te conheço desde sempre e a vejo se defender da maneira mais forte, honesta e difícil: levantando a cabeça e tentando dizer que o que aconteceu não lhe afetou.
Mas sempre afeta.
Seu corpo entrega.
Sempre entregou.
Porque atrás desse jeito de quem não liga, está um incômodo, uma dor contida, um choro reprimido e um desejo velado.
E cada vez que isso acontece, eu sinto.
Sinto como se uma flecha atravessasse meu peito.
Pois não consigo tomar o seu lugar.
Não consigo tirar o que te endureceu.
Eu sei que desde que me tornei mãe, esse talvez seja meu maior desafio: não conseguir protege-las de tudo.
Do mundo, nem de vocês mesmas.
Você não gosta e nem quer mostrar fragilidade.
Nunca quis.
Mas dentro de você tudo isso pulsa e fervilha.
E, por parecer assim tão forte, muitas vezes há falta de cuidado do mundo que a cerca.
Cuidado nas palavras, nas falas e atitudes.
E você é apenas uma criança de 9 anos.
Ontem eu me lembrei da série da TV que terminamos de assistir essa semana.
Nós três.
A protagonista era treinada a esconder suas fraquezas do mundo e a potencializar seus pontos fortes.
Mas ela acabava escondendo isso de quem mais a amava.
E sofria.
Mas talvez seja assim mesmo.
Ao tentar esconder nossas fraquezas do mundo, acabamos por esconde-las até de nós mesmas.
Negamos.
Abafamos.
E sucumbimos.
Pois elas estão lá.
Ontem eu não conseguia dormir pensando na cena do seu corpo enrijecido, no seu olhar firme e na sua fala certeira dizendo: “está tudo bem…nem ligo”.
Mas você liga.
E eu também.
Ontem, quando te dei boa noite, te disse que você era a melhor. A menina mais forte, linda e especial que eu conhecia. Que eu e tanta gente sabíamos disso.
Recebi um abraço em silêncio.
De olhos fechados.
Ontem foi mais um dia.
Não tão diferente de outros.
Não o primeiro, nem o último dia desafiador.
Ontem eu pensei que você não precisava, nem merecia, demonstrar ser tão forte assim.
Eu sempre digo a vocês que tudo pode e deve ser dito, mas que há maneiras certas de dizer. Pois do outro lado há sempre alguém que pode (e constantemente é) atravessado pelas palavras.
Há que se ter cuidado.
E delicadeza.
Mas apesar desses atravessamentos desnecessários, há doçura em muitos lugares.
Há falas e atitudes não só respeitosas, mas carinhosas.
E esses são os nossos lugares.
Os lugares que nos pertencem e nos quais somos vistas, ouvidas, respeitadas e incentivadas.
Hoje acordei pensando nas rotas que temos que alterar.
Nos caminhos que devemos percorrer.
E nas pessoas que devem seguir ao nosso lado.
Mas sei que vocês ainda não conseguem visualizar, sozinhas, os seus lugares.
Só que um dia saberão.
Irão encontra-los.
Mas também perde-los.
E nesses momentos alguns trajetos serão refeitos.
E tudo bem.
Hoje fomos para a escola cantando a música da Pitty que você decorou.
Hoje, meditei o tema da cura, na yoga, tentando acalmar meu coração.
Hoje pensei nas coisas que devo preparar para o encontro com mulheres especiais essa semana.
Hoje, revisando o livro de algumas de nossas histórias, me deparei com fotos suas.
Com momentos intensos e apaixonantes de sua pequena, mas linda trajetória.
Hoje eu escrevo lembrando que as pessoas só dão aquilo que elas têm, só enxergam aquilo que seus olhos conseguem ver e que você é sim, imensa. Na musculatura, no movimento e no coração.
Sei que um dia você irá escolher os lugares e as pessoas que te fortalecem.
E que é nesses lugares que você deverá habitar.
Nunca deixe de ouvir o seu corpo e o seu coração.
Eles irão te conduzir para o lugar certo. Sempre!
Em 2022 você irá celebrar a primeira década de existência nessa loucura de mundo.
E eu vou comemorar sua vida e a minha vida que se fez melhor com a sua chegada.
O ontem, logo mais, será apenas uma lembrança. Talvez esquecida.
Te amo minha pequena gigante.
Até o infinito e além.
Mamãe
