Por Paty Juliani
“Hoje eu quero apenas
Uma pausa de mil compassos
Para ver as meninas
E nada mais nos braços
Só esse amor…”
Paulinho da Viola
Algo aconteceu naquele instante.
E não foi um simples despertar para a força de suas palavras ou a
consistência de sua reflexão.
Foi o controle de seu gesto. Algo que até ontem eu teria dificuldade em
imaginar.
Subestimamos nossos filhos?
Não!
Apenas temos a arrogância de simplifica-los.
– Filha, se isso te incomoda tanto, você deveria dizer a ela. Lembre-se que
podemos (e devemos) falar tudo, só precisamos ter cuidado com a maneira pela
qual falamos.
– Melhor não.
– Por que?
– Porque quando me irrita muito, eu não posso falar. Porque não falarei com
educação. Então, é melhor eu ficar quieta. Não vale a pena. Nem é tão sério.
Silenciei.
Da versão que tudo diz para a versão que, às vezes, prefere se calar, alguns
anos se passaram.
Dez anos de existência.
Entre inúmeros ruídos e breves silêncios.
E o meu, naquele momento, foi pausa.
Talvez, de mil compassos.
E minha fala se fez no olhar.
E no tímido sorriso de orgulho que fiz questão de entregar.
Pelo retrovisor.
– Que elas nunca se calem diante das injustiças. Que nunca se amedrontem com
covardias. Que nunca se envergonhem de ser quem são. Que sempre se respeitem,
se cuidem e se amem.
Nunca e sempre.
Na terceira pessoa.
Mas com elas presentes.
Toda noite.
Antes de dormirem.
Na beirada da cama.
Durante tanto tempo.
Em alto e bom som.
Se há pedido a ser feito (além de agradecimentos), ele só pode ser amor.
Amor por si mesma.
Amor pelo que se é.
O som e o silêncio nos mostrando o caminho de cultivo.
Não com o outro.
Mas com nós mesmas.
Com 10 anos eu cortei todo o meu cabelo.
E me achei linda.
Com 10 anos ela deixa seus cabelos crescerem bastante.
E é linda.
Com 45 anos compreendi que meu biografema* é som.
E minha biografêmea* é silêncio.
Se para a mãe, da mãe, da mãe de minha mãe o silêncio era imperativo.
Para a filha, da filha, da filha de sua filha, ele é escolha.
Um caminho.
Uma estrada.
Uma transposição!
Hoje, ao olhar pelo retrovisor, eu vejo o futuro.
Vê-las crescer tem sido tudo.
E me surpreender tem sido uma imensidão.
Adoro quem se busca.
Mas amo quem se acha.
– Que enquanto eu esteja guiando, não me falte percepção, atenção e,
sobretudo, encantamento de olhar para trás para compreender o que está na
frente.
Nem que eu precise, de vez em quando, ajustar o retrovisor.

“Quem sabe de tudo não fale
Quem não sabe nada se cale
Se for preciso eu repito
Porque hoje eu vou fazer
Ao meu jeito eu vou fazer
Um samba sobre o infinito”
Paulinho da Viola
*Biografema – conceito criado por Roland Barthes, que se refere, em termos gerais, a um detalhe como metonímia para a narração da vida de quem se narra. E, Biografêmeas é um processo criativo, desenvolvido pela professora e artista Sandra Lessa, onde o participante lê o passado e recria histórias de vida com a construção de um vídeo-carta destinada às suas ancestrais.