por Rita Durigan
Tenho pensado muito em como reproduzimos desejos que nem sabemos de onde vem e que podem nem ser nossos, se analisarmos bem.
Quantas vezes falamos que queríamos mais horas no nosso dia? Mas já nos perguntamos para que?
Pense bem. Se tivesse mais horas, você, que é mulher, teria mais tempo livre? Ou mais afazeres e cuidados?
A sobrecarga feminina do cuidado e do cuidar de tudo e todos, do ser forte e incansável, é algo que nos afoga e atropela todos os dias. E nos faz deitar a cabeça no travesseiro com a sensação nítida de que somos incapazes, ineficientes, um desastre.
Já quase no final do mês de março, que temos dado mais ênfase em nossa plataforma para as questões socialmente opressoras na existência das mulheres, fico pensando em tanto que fiz, em tanto que todas fazemos todos os dias, e no tanto de amigas e conhecidas que propositalmente provoquei perguntando sobre como se sentiam, e que trouxeram o cansaço e a sensação de ineficiência.
Mais uma vez pontuo aqui que falamos de um lugar reconhecido de privilégios, o que nos faz pensar também, e principalmente, em quem não os tem. Que são muitas e muitas e muitas e muitas mulheres.
E onde, quando, como vamos quebrar esse ciclo vicioso que nos engana de que se aumentassem horas no nosso relógio seríamos mais livres?
Nas conversas que temos com nossas crianças? No exemplo que damos a elas dentro de casa? Em pequenas mudanças que exigem mergulhos profundos e as vezes dolorosos?
Sim, esse texto é mais uma relfexão, já que algumas respostas nós sabemos. Mas não sabemos como colocar em prática já que, socialmente, a conta não fecha.
E uma das respostas que eu sei é que não quero mais horas no meu dia. Quero mais viver nas horas que já tenho.
Quero parar de dizer:
-Agora não posso mais brincar porque preciso fazer a comida.
-Espera um pouquinho que vou colocar a roupa para secar e já volto…
… e a gente nunca volta porque no caminho tinha um tapete fora do lugar, e no lugar do tapete tinha um sapato jogado, e na sapateira onde só fui guardar o sapato tinha um tênis sujo que precisava ser limpo, e no tanque a gente lembra que tá acabando o sabão, e na lista de compras e gente lembra que acabou o pão para o café de amanhã, e no mercado a gente lembra que esqueceu de colocar os lençois nas camas, e arrumando as camas onde já já corpos cansados vão repousar a gente lembra que no dia seguinte tem que mandar aquela autorização assinada para a escola, e assinando a autorização a gente lembra que falou responder um email, duas mensagens – só os mais urgentes -, e respondendo a mensagem a gente lembra do formulário do médico que faltou responder. Espera, mas a consulta é na hora da apresentação da escola, amanhã cedo eu tento mudar… vixi, a gente estava brincando e eu fiquei de voltar…
Privilégios, sobrecargas, culpa, exaustão.
Tic, tac, tic, tac, tic, tac…
E tempo para pensar e discutir tantas questões.
Tic, tac, tic, tac, tic, tac…